“E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim.
Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu
me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo.
E eu serei para ti única no mundo...” (excerto do diálogo entre a raposa e o
principezinho, O Principezinho, Antoine de Saint-Exupèry)
Fui ver um filme excelente, “O Substituto”. Um jovem professor que escolheu ser apenas “substituto”, limitando a sua participação a um tempo fugaz que não autorizasse que esperassem dele um compromisso com a transformação e formação de cada um dos alunos e os problemas da escola.
É certo que o contexto essencial é o da vida numa escola problemática,
que é na América mas que podia ser noutro sítio qualquer, jovens vindos de
meios familiares e sociais com poucas referências e as mais fortes são as da
violência, da provocação, da rebeldia e, em geral, de uma profunda falta de
auto estima.
Os professores, eles próprios tantas vezes com dificuldades pessoais e
familiares, têm que resistir e tentar cumprir a sua missão, cruamente
contrastante com os discursos oficiais dos “bons resultados”, dos “progressos”,
das “oportunidades”, é difícil chegar àqueles jovens, sobrepor a influência de
origens onde se fala uma linguagem que não é a dos professores, onde as noções
de respeito, integridade e humanidade são devolvidas com escárnio e rejeição.
O jovem professor recusa comprometer-se mas é impossível, a sua
sensibilidade e a sua própria vivência pessoal levam-no a interessar-se, a
intervir, a tentar ensiná-los a defender-se da sua própria violência e incapacidade
de despertar nos outros os sentimentos de que tanto necessitam para crescer.
Será possível alguém ser “substituto”? Não haverá sempre uma influência
permanente, não induzimos sempre uma mudança quando nos interessamos pelo
outro?
É um filme dramático e belíssimo, que nos leva a esse cadinho humano
que é uma sala de aula mas que é fácil transpor para fora, para o campo
inesgotável dos desencontros humanos, das mensagens mal interpretadas, do risco
da aproximação, essa estopa facilmente inflamável que é a solidão tremenda que
vê abrir-se uma porta de humanidade, de estima, de afecto, e que pretende apoderar-se
e possuir sem reservas essa fonte onde vislumbra a felicidade.
Não há sentidos únicos nas relações entre as pessoas, nem
possibilidade de medir o que se pode e deve fazer, quando e até que ponto, há
tantas linguagens contraditórias, tantas luzes que mal se acendem encadeiam,
tantas cautelas corajosas, tantos progressos cobardes.
É um filme brutal e belíssimo sobre a incrível complexidade das
relações humanas.
3 comentários:
Ainda não vi este filme mas a propósito do tema, recomendo “Monsieur Lazhar” de 2011.
Suzana
Depois de ler o seu post, fica-me a vontade de ir ver o filme.
E o excerto do diálogo entre a raposa e o principezinho que reflecte tão bem a natureza humana...
Não conheço, Catarina, obrigada pela sugestão, depois aqui virei dar o meu testemunho...
Margarida, vá ver que vai gostar, é menos suave do que este diálogo mas é realmente muito impressivo.
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