O meu amigo Bartolomeu perguntou-me por este texto. Esteve aqui durante alguns minutos, tempo insuficiente para que o lesse. Retirei-o porque pensei que não seria muito apropriado num blog como o 4R, mas como manifestou interesse, e porque tenho de lhe agradecer a prenda do equipamento do FCP que ofereceu à minha neta, dedico-lhe esta história.
É tempo de escrever para os miúdos.
"Só escreves, só escreves, e nós?" Está bem, aqui vai, mas é para os três, pode ser?
Silêncio. Ui, o que é que irá sair daquelas três pestinhas...
Seja o que Deus quiser!
(Ilustração da mãe da minha neta Leonor)
Naquela manhã as sete gotinhas irmãs andavam a passear à superfície do mar, todas felizes, mas foi por pouco tempo, o sol lembrou-se de as aquecer; sentiram-se muito leves e começaram a flutuar e a subir para o céu. Gritavam cheias de alegria com o espetáculo, nunca tinham visto nada semelhante, um mar imenso, lindo, tranquilo, de um azul brilhante. Foi a primeira vez que viram este espetáculo, não sabiam que a sua casa era tão grande e tão bela. Foi então que ouviram a voz do vento. - Querem dar uma volta? Querem ver coisas novas? - Sim! Gritaram ao mesmo tempo as manas gotinhas. - Segurem-se bem. Dito isto começou a soprar com muita força e as gotas assustaram-se. À medida que iam voando verificaram que muitas outras gotas subiam apressadamente entupindo o céu. O mar, azul brilhante e tranquilo, começou a ficar inquieto, a mexer-se muito e a ficar escuro, quase negro. Assustaram-se. Sentiam o calor do sol nas costas mas em baixo o escuro era visível e perceberam que eram todas aquelas gotas que entretanto se lhes tinham juntado que o tapavam. Eram tantas que, com medo de todo aquele negrume, se puseram às cavalitas umas sobre as outras. Assustaram-se, sentiam que estavam a ser empurradas. Como eram muitas o vento teve que soprar com mais força ainda e elas passaram a voar com muita velocidade. Em baixo o mar revoltava-se e espumava de raiva. Subitamente viram terra, olharam surpreendidas para as árvores que abanavam os ramos, dobrando-se, como a quererem fugir da tempestade que se avizinhava. Os animais escondiam-se assustados e as pessoas largavam tudo para fugir da chuva. As sete irmãs gotinhas ficaram tristes pela forma como estavam a ser recebidas e percebiam que algo ia correr mal. Elas não queriam fazer mal a ninguém, mas eram tantas e tão grossas as que estavam em cima delas que, de repente, começaram a cair na terra. Ainda gritaram de medo, mas ninguém as ouviu. Caíram num espaço aberto e viram o efeito produzido pelo dilúvio. Tanta destruição. À medida que iam correndo ficavam cada vez mais tristes e envergonhadas. Não quiseram continuar com as outras para engrossar rios enraivecidos. Preferiram deixar-se enterrar na terra, não queriam ouvir os lamentos das plantas e dos animais. E assim foi. Ficaram nas profundezas da terra durante muito tempo. Não sabiam onde estavam, até que um dia viram novamente a luz, ficaram cegas, reconheceram o sol que um dia as tinha retirado do mar para um passeio que correu mal. Foi sol de pouca dura, porque deixaram de o ver novamente, mas passaram a sentir um outro calor, diferente, suave, e ouviram uma voz a dizer: - Que água tão maravilhosa, nunca bebi nada igual em toda a minha vida, matou-me a sede, curou o meu corpo e iluminou a minha alma. Dou graças a Deus por esta água milagrosa que só pode ter vindo do céu. As sete irmãs ficaram muito felizes, até se esqueceram da sua viagem atribulada que tanto prejuízo causou. Sabiam que estava a fazer o bem, a matar a sede, a curar o corpo e a iluminar uma alma, tudo aquilo que elas mais desejavam. A partir daquele momento a fonte passou a ser conhecida pela "fonte da água dos milagres".
4 comentários:
Caríssimo amigo, Professor Massano Cardoso, agradeço a honra que é, dedicar-me este belo texto. Esperei pelo seu reaparecimento e verifico que não foi em vão.
É de facto um texto belíssimo, recheado de uma ternura imensa e de um forte desejo de transmitir saber aos mais pequenos, de uma forma poetica, divertida e mágica.
Retribuo-lhe , transcrevendo um poema de Carlos Conde:
Que bom que é ser pequenino,
Ter pai, ter mãe, ter avós,
Ter esp’rança no destino
E ter quem goste de nós.
A velhice trás revés,
Mas depois da meninice
Há quem adore a velhice
P’ra ser menino outra vez.
Ser menino, que altivez
De optimismo e desatino!
Ver tudo bom e divino,
Tudo esperança, tudo fé,
Enquanto a vida assim é
Que bom que é ser pequenino!...
Ver tudo com alegria,
Sem delongas, sem demora,
Ver a vida numa hora
Ter na mente a fantasia
Dum bem que ninguém supôs,
Ter crença, sonhar a sós,
Co’ a grandeza deste mundo
E, para bem mais profundo,
Ter pai, ter mãe, ter avós.
Ter muito enlevo a sonhar,
Acordar e ter carinho,
Ter este mundo inteirinho
No brilho do nosso olhar.
Viver alheio ao penar
Deste orbe torpe, ferino,
Julgar-se eterno menino,
Supor-se eterna criança,
E, num destino sem esp’rança,
Ter esp’rança no destino.
Ó desventura, ó saudade,
Causas da minha inconstância,
Daí-me pedaços de infância,
Retalhos de mocidade.
Dai-me a doce claridade
Roubando-me ao tempo atroz
PS: A pressa de escrever, quase me fêz esquecer de enaltecer a ilustração da autoria da sua filha, a quem já tive oportunidade de manifestar o meu apreço pela arte que pratica, usando de forma magistral a côr e dando tanta expressividade às figuras.
Um abraço embrulhado em estima e admiração.
Caro amigo, aqui no 4r cabe tudo o que é bonito e ditado pelo sentimento, adorei o conto e a ilustração da Inês, uma artista.
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