Estamos a assistir à mesma pergunta feita “em cascata”. Pergunta-se aos países mais ricos da União europeia se estão na disposição de pagar mais para os países mais pobres, e eles respondem que não. Respondem que não porque os acham preguiçosos, manhosos, mentirosos, perdulários, caloteiros, relutantes a aprender a viver com as sábias regras que levaram os ricos à prosperidade e a alternativa seria empobrecerem todos inutilmente.
Pergunta-se às regiões mais ricas de cada país se estão na disposição de pagar mais pelas regiões mais pobres e elas respondem que não. Respondem que não porque sozinhos fazem muito melhor, porque as outras não têm recursos naturais, ou capacidade de produção, ou localização geográfica ou a organização e o ritmo de trabalho que deviam e a alternativa seria empobrecerem todos.
Pergunta-se aos contribuintes de um país se estão na disposição de pagar mais para os mais pobres, se querem dar uma fatia enorme dos seus proventos para sustentar o sistema de segurança social e apoios sociais com que até agora se pode contar. Responderão que não, que os reformados recebem pensões que não correspondem ao que descontaram, que os desempregados não podem ter subsídios que os desmotive de ir trabalhar por um salário qualquer que seja, que a saúde não pode ser dispensada a torto e a direito, que a educação afinal não corresponde às necessidades do momento das empresas. Que mais vale que cada um se ocupe de si como puder e enquanto puder.
A pergunta, feita nestes termos, dirige-se a um país, uma região ou a cada pessoa, aos seus cálculos e interesses pessoais e não a um colectivo que esteja a pensar num projecto comum. Manifestamente, as respostas serão dadas em função de cada um e não de forma a que o poder político possa construir algo em que todos se revejam e para que queiram contribuir.
Aquela onda inicial do “nós não somos a Grécia” ou aquele, ou aqueloutro, foi ultrapassada pela realidade dos factos e já devia ter servido de lição para perguntas redutoras. Hoje, afinal, já quase todos podem nas costas dos outros ver as suas.
Entretanto, pela rápida substituição de um projecto comum, ainda que esforçado, por uma perspectiva egoísta e defensiva, gerou-se uma desconfiança profunda que afugenta os que, de fora, ainda apostavam no conjunto. Já há quem diga que, em breve, não haverá nada a salvar.
Ao nível dos cidadãos a pergunta, feita em termos semelhantes, só pode dar os mesmos resultados: cada um trata de si e dos outros logo se vê, se não há nada a unir-nos no futuro então o melhor é tratar da nossa vida enquanto sobra alguma coisa.
Acontece que, por muitas razões, a estratificação social que fazia com cada pessoa se sentisse ao abrigo do seu grupo deu hoje lugar a uma insegurança e imprevisibilidade tais que cada indivíduo, independentemente da sua origem e classe social, se revê em todos os grupos sociais. Por exemplo, cada contribuinte – porque a pergunta é dirigida aos que pagam impostos hoje – pode ser amanhã um desempregado, um adulto dinâmico pode ver antecipado o momento em que o classificam como “idoso” ou enfileira com os reformados, um empresário de sucesso passa a falido ou um cidadão próspero vê-se incapaz de solver as suas dívidas por azares da fortuna e mudanças de mercado. Um simples divórcio, ou viuvez, pode provocar uma mudança de grupo e obrigar a viver na condição que aí encontra. Nada está garantido. Já não há perspectivas egoístas, se pensarmos que cada contribuinte pode, com toda a facilidade, ver-se no lugar dos “outros” e sofrer os efeitos da sua escolha, sobretudo a médio prazo.
10 comentários:
Grande post.
Cuidado que nos tempos que correm, apelar à solidariedade por via de impostos é tomado como retrogrado e desactualizado dos tempos de "guerra" em que vivemos é o "caminho que nos trouxe aqui" e pode muito bem ser apelidada em breve de "sucia" ou mesmo "comuna" e esbanjadora de impostos.
E por fim utilizarão o argumento: não há dinheiro!!!
Um aplauso para a Suzana Toscano!
Parece que com a exportação das perdas na UE os EUA conseguiram duas coisas muito úteis, enfraquecimento e aproximação do seu modo de vida mais individualista.
Depois da queda do muro de berlim e do colapso da união soviética. Eis que o fim do "socialismo democrático"="estado social" se parece aproximar. Confesso que é uma sorte viver momentos destes, vamos lá ver o que sai desta vez da caixa de pandora.
Isto sem esquecer os erros dos indígenas cá do burgo e muito outros aspectos do problema.
Caro Carlos Monteiro, a colocação de "rótulos" é uma forma de inibir a livre troca de ideias, sobretudo se a esses labéus se quer, implicitamente, associar uma censura política ou moral. se só isso for suficiente para dissuadir, então é porque realmente já há muito pouco a fazer.Mas eu acredito na política, e essa não se faz sem as pessoas, sem debate, sem contributos. Ou por outra, pode até fazer-se, mas o resultado não será bom, a menos que voltemos a acreditar em superioridades morais e intelectuais, em iluminismos, o que é absurdo numa época em que cada área do saber depende das outras todas, cada vez mais, tal é o aprofundamento de cada uma e a complexidade do que encerra. A dificuldade é aprendermos a lidar com isso.
Caro P.A.S., obrigada.
Caro ilustre Mandatário do Réu, não sei se é o fim do estado social, nenhuma via é inexorável a menos que se recuse abordar qualquer outro. Em qualquer caso, é preciso antecipar o que será esse "fim", o que sucederá se não formos capazes de o preservar numa perspectiva que ultrapasse a do nosso umbigo. O "fim" de um modelo de organização social tem que conduzir a outro modelo qualquer, supostamente melhor, qual?
Cara Suzana:
Dramatizamos muito o dia de hoje, mas a humanidade tem vindo num crescendo de afirmação de direitos e de bem-estar. Na Europa, tem havido solidariedade entre países, talvez mais do que até entre regiões em Portugal. Aqui, os níveis de saúde e de educação nunca atingiram ponto tão elevado. E a segurança social não sofreu cortes drásticos que ponham em causa a sua finalidade. O que não significa que não haja pessoas que passem por dificuldades extremas. Mas a redistribuição tem funcionado: nunca a carga vfiscal terá sido tão elevada em Portugal e nunca os altos rendimentos foram tão taxados. Em paridade de poder de compra, a nossa fiscalidade sobreleva todas as da UE. Por isso, creio que aquilo que tem sido pedido tem sido dado. Por outro lado, os portugueses têm compreendido muito bem a acção de instituições que apelam à solidadriedade, sejam elas o Banco Alimentar, a Caritas, entidades de apoio a jovens, etc, etc. E vertem donativos importantes para essas instituições. Até com mais vontade do que pagam impostos, porque vêem aí um fim útil imediato, enquanto nos impostos se vê mais desperdício que utilidade.
Também a globalização e a deslocalização têm ido no caminho de diminuir desigualdades entre sociedades mais ricas e mais pobres.
Por isso, creio que dificuldades conjunturais não podem impedir que o caminho da humanidade tem sido um caminho para melhor.
Claro que cada vez estamos todos mais interdependentes. E aí a política tem, ou deve ter, uma tarefa acrescida: definir prioridades a favor das pessoas, num mundo de recursos escassos, mas de necessidades crescentes.
Sem contudo perder de vista que só pode ser distribuído o que, antes, é produzido.
Hoje , em grande destaque na primeira página do Sunday Times :
«3.000 Eurocratas ganham mais que o Primeiro Ministro Britanico»
Foi revelado que 3.325 Eurocratas ,num total de 46.714 funcionários,ou seja 7% do total ,são mais bem pagos que David Cameron ,auferindo salários que ultrapassam £ 123.000 anuais ,a que há que adicionar um subsidio (entre vários)de 16% por estarem deslocados ,(tendo que trabalhar em Bruxelas dificil seria não estarem...)e , como a proverbial cereja , sujeitos a um regime fiscal ultra generoso .
Quanto aos Comissários e outros politicos com aaltos cargos em Bruxelas ,os salários vão de £ 197.000 a £ 219.000 ,a que se soma um "auxilio" para gastos de 15% . É só aplicar a taxa de cambio e ver quanto dá em Euros .
Esta é a Comissão que reclama um aumento do Orçamento comunitário de £45 biliões para £50 biliões .Um dos Commissários questionado sobre se achava moralmente admissivel o nivel de salários pagos respondeu :
"A maioria de nós somos profissionais altamente qualificados como advogados e economistas e temos de viver longe dos nossos países , e portanto naturalmente os salários são elevados".
Entretanto , e também naturalmente ,os povos europeus passam por terriveis medidas de austeridade provocadas por "
profissionais altamente qualificados" .Mas isso não parece comover os Eurocratas à frente dos quais está o "nosso" Durão Barroso que tem direito a fotografia legendada com o valor que ganha : Uns miseros 300.000 Euros anuais .
Publica-se também a mais recente sondagem feita no RU sobre a permanencia na UE onde se constata que 49% quer saír . Só me espanta não ter ainda chegado aos 100% .
manuel.m
Suzana
Vivemos mais do que nunca tempos de grande incerteza, nada pode ser dado como garantido. Estamos no tempo dos discursos radicais para satisfazer eleitorados locais e interesses políticos regionais, é preciso criar e empolar bodes expiatórios. A Europa não está a conseguir fazer face aos problemas políticos que ela própria gerou, a contrário tem-se acentuado uma Europa dividida entre os bons e os maus, os ricos e os pobres, quando - não desculpando os países que não foram capazes de ter uma visão de futuro - há erros que são colectivos. Acentuar as divergências é insistir nas polémicas do curto prazo, só contribui para acentuar os problemas, em nada ajuda a reganhar a confiança e a acreditar no sonho europeu. É verdade que às vezes as soluções encontram-se por aproximações sucessivas, experimentando, adiando, testando, mas esta técnica no caso da Europa é, a meu ver, resultado de incapacidade e desunião política. O tempo não joga a favor, pelo contrário, os problemas têm-se vindo a avolumar e, portanto, as soluções apresentam-se mais difíceis, inclusive, em termos de implementação.
«E a segurança social não sofreu cortes drásticos que ponham em causa a sua finalidade???? O que não significa que não haja pessoas que passem por dificuldades extremas.»
Não me parece, PC, que seja essa a realidade quando há mais de 500.000 desempregados sem qualquer tipo de apoio e o RSI diminuiu para 130€!
Caro Pinho Cardão, o crescendo de bem estar resulta de maior capacidade produtiva e de melhores condições das populações para a ser parte da riqueza criada, a educação foi um factor importante, mas também a rede de transportes, o saneamento básico, a saúde, a protecção social que deu segurança quanto ao futuro e permitiu que as pessoas se endividassem com o que pensaram ser a liquidez que teriam. Não sei se o aumento de impostos, sobretudo àquele a que se assiste por essa Europa fora, significa maior redistribuição de riqueza, depende de onde e como são gastos esses impostos e de quem os suporta. Mas sim, é importante lembrar que vivemos até agora uma época de crescimento e bem estar.
Se, de acordo com o INE, um cidadão português residente na capital mais do que triplica o indicador de riqueza per capta relativamente a um compatriota que vive na região do Tâmega, não faria mais sentido tratarmos em primeiro lugar de por as regiões mais ricas de Portugal a ajudar as mais pobres?
Será que faz sentido o discurso “pedinchão” e carregado de chantagem emocional, que frequentemente circula na comunicação social, imputando a Merkel e ao povo alemão, uma suposta falta de solidariedade com o povo português (e outros) se, dentro das nossas próprias fronteiras, convivemos com estes níveis de desigualdade e injustiça?
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