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quarta-feira, 20 de maio de 2009

Mantém-se em funções o procurador e suspende-se o Eurojust. Pode? Pode, pois.

O senhor Procurador-Geral da República (PGR) entendeu hoje divulgar que decidiu prescindir da colaboração do Eurojust nas investigações do caso Freeport logo que se iniciou o inquérito às alegadas pressões exercidas pelo presidente daquela instituição. Decisão que o PGR terá tomado, pois, antes de conhecer as conclusões do inquérito disciplinar e, logo, antes de ser confrontado com a questão da suspensão preventiva do senhor procurador-geral adjunto em causa, pela qual muitos reclamaram.
No momento em que escrevo esta nota, ainda não ouvi ou li qualquer reacção a esta decisão do PGR. Mas não me custa a crer que serão muitos os que se insurgirão ou, no mínimo, acharão estranho que perante uma decisão tomada antes da abertura do inquérito não se tenha determinado em coerência com esse gesto de cautela, a suspensão de funções de magistrado (e, por decorrência, as de presidente do Eurojust) do Sr. Dr. Lopes da Mota logo que conhecidas as suas conclusões. Acontece, porém, que vigorando nesta matéria o princípio da legalidade, não é a vontade do Procurador-Geral ou do Conselho Superior do MPº que relevam, é a vontade da lei que prevalece. E o que diz a lei que contraria a lógica de quem entende que não faz sentido suspender a colaboração do Eurojust em vez de determinar a suspensão do senhor Procurador visado? Transcrevo-a. O art. 196.°/1 e 2 do Estatuto do Ministério Público dispõe o seguinte sobre a suspensão preventiva do arguido em processo disciplinar:
  • "1 - O magistrado arguido em processo disciplinar pode ser preventivamente suspenso das funções, sob proposta do instrutor, desde que haja fortes indícios de que à infracção caberá, pelo menos, a pena de transferência e a continuação na efectividade de serviço seja prejudicial à instrução do processo, ou ao serviço, ou ao prestígio e dignidade da função.
    2 - A suspensão preventiva é executada por forma a assegurar o resguardo da dignidade pessoal e profissional do magistrado".
O que significa que, nos termos da lei - e são só estes que interessam - o PGR só poderia propor a suspensão do magistrado em causa ao Conselho Superior do MPº, desde que: existisse proposta do instrutor + os indícios recolhidos no inquérito apontassem para pena de transferência ou mais grave + a manutenção em funções fosse susceptível de condicionar o processo disciplinar ou causar dano ao serviço, ao prestígio, à dignidade da função ou ao próprio procurador arguido.
Se não propôs a suspensão preventiva, isso só pode significar que o que foi apurado no inquérito não aponta para falha tão grave que justifique proteger desde já a instituição, o processo disciplinar ou o próprio arguido. E se assim é, perante a decisão do senhor PGR de prescindir da colaboração do Eurojust, uma de duas: ou o PGR entende, pessoalmente, que a continuidade de funções do senhor Procurador-Adjunto é perturbadora e só não propôs a suspensão porque a iniciativa cabe ao instrutor e a gravidade do apurado nesta fase não lho consente, mas afastou qualquer hipótese de interferir na investigação do caso Freeport o que está no domínio da sua competência segundo a sua livre convicção; ou, diversamente, entende que, apesar de não exisitirem razões para à luz da lei propor a suspensão, a necessidade de despoluir o processo Freeport levou-o a, profilaticamente, remover um factor de futura suspeição.
Se a intenção da decisão agora revelada foi esta última, ainda que possa haver quem diga que o PGR prepara a opinião pública para assistir ao parto do rato pela montanha, entendo-a e aceito-a perfeitamente. Face ao clima instalado no País e à irracionalidade com que estes casos são vistos, analisados e sempre instrumentalizados, muito me admiraria se aparecesse muita gente a compreendê-la.

4 comentários:

Suzana Toscano disse...

Caro Ferreira d'Almeida, estamos a ver que tudo é possível, ainda que não compreensível.

Pedro disse...

Caro Ferreira de Almeida,

Muito boa análise, a minha opinião é a mesma -- o PGR está a actuar autonomamente, evitando qualquer suspeita (vide magistrados que conduzem o processo). Por outro lado os contactos com a polícia britânica continuam directamente sem o eurojust.

Cumprimentos,
Paulo

Manuel Brás disse...

O homem errado
e altamente suspeitável,
num lugar errado
com uma atitude lamentável.

Tamanho foi o chapadão
de ruído estriduloso,
revela a podridão
de um caso rameloso.

Com a cabeça enterrada
o rabo fica para o ar,
esta democracia aterrada
deixa o mexilhão a penar!

Mani Pulite disse...

Nesta sua análise há um problema que reputo de essencial.O PGR recusou-se a fornecer aos membros do CSMP uma cópia do Relatório do inquérito às pressões,como deveria.Sem acesso ao documento, o CSMP foi totalmente afastado do processo de decisão relativo a Lopes da Mota.Foi uma decisão pessoal, e quanto a mim ilegal, do PGR em relação à qual lhe poderão no futuro virem a ser pedidas responsabilidades,nomeadamente se após ser conhecido o Relatório se concluir que as propostas do inquiridor eram contrárias às decisões do PGR não as suportando de maneira alguma. O comportamento deste último em todo o processo Freeport é aliás altamente suspeito sempre tentando proteger o Primeiro Ministro em todas as circunstâncias e nomeadamente negando a existência de pressões,o que não conseguiu porque os magistrados envolvidos e o SMMP se recusaram a ceder às pressões do PGR e outros membros da hierarquia do MP.Por todas estas razões e para que os Portugueses não continuem a ser enganados e manipulados há um imperativo de transparência que deve ser concretizado através da imediata publicação do Relatório acima referido.